Com fornos alimentados por 500 espelhos, esta nova tecnologia atinge temperaturas recordes e transforma resíduos em material de luxo destinado à produção desta emblemática indústria local. Que outras áreas poderiam beneficiar-se
No coração da indústria relojoeira suíça, uma nova tecnologia promete transformar a forma como o aço é produzido e reutilizado, reduzindo consideravelmente a pegada de carbono associada à fabricação de metais. A Panatere, empresa suíça pioneira em processos de sustentabilidade, acaba de inaugurar as primeiras fundições solares do mundo especialmente concebidas para reciclar aço.
Este avanço representa a chegada de uma alternativa real à dependência de combustíveis fósseis na fundição de metais e estabelece um precedente tanto a nível local como global. A iniciativa, patenteada pela Panatere, marca um antes e um depois na reutilização de materiais essenciais para setores como a relojoaria, para os quais a qualidade e a proveniência do aço são elementos decisivos.
Até agora, a indústria dependia quase exclusivamente do aço importado, com altos níveis de carbono. Sendo a Suíça reconhecida como a capital mundial da relojoaria, a internalização deste processo de reciclagem através de fontes limpas assume um significado ainda maior.
Raphaël Broye, diretor executivo da empresa, destaca que existe um interesse crescente em conservar e reutilizar os metais que são descartados durante a produção. Trata-se não apenas de um avanço técnico, mas de uma resposta a uma necessidade ambiental e estratégica da economia local.
Funcionamento do forno solar: tecnologia e processo de fusão
O cerne desta inovação reside no design e no funcionamento do forno solar, uma estrutura que se apoia em 500 espelhos côncavos montados sobre um helióstato. Este sistema permite que os espelhos sigam com precisão o movimento do sol, concentrando a sua luz e calor na câmara do forno.
A temperatura pode atingir 2000 graus Celsius, nível ideal para a fusão do aço, num processo que dura uma hora e meia. A principal característica deste método é a ausência total de combustíveis fósseis, o que garante que o processo seja completamente limpo.
A montagem e a orientação constante dos espelhos constituem um exercício de engenharia minucioso, concebido para maximizar a eficiência na captação de energia solar.
A energia assim obtida não só permite fundir aço, mas também estabelece as bases para tratar outros metais estratégicos no futuro. A arquitetura tecnológica desenvolvida representa uma fusão sofisticada entre recursos renováveis e necessidades industriais, abrindo as portas para métodos de reciclagem de materiais em escalas úteis para a indústria nacional.
Impacto na indústria relojoeira suíça e consumo de aço
A relojoaria suíça é sinónimo de precisão e excelência, mas também depende de um fornecimento estável de aço de alta qualidade. Apesar de contar com engenheiros mecânicos de renome, até agora a Suíça importava a maior parte do aço que utiliza na sua indústria relojoeira.
Estima-se que pelo menos 15 800 toneladas métricas de aço entram todos os anos no país exclusivamente para o fabrico de relógios e componentes relacionados.
O funcionamento de uma fundição local que utiliza apenas energia solar permite que os resíduos metálicos gerados nas fábricas sejam reciclados e reutilizados no mesmo ambiente em que foram descartados.
Este ciclo fechado de materiais resulta em menos importações e maior autonomia da indústria, com o consequente benefício para a economia regional e o meio ambiente. Tal como sublinha a empresa, o interesse em reciclar recursos locais responde a uma lógica de conservação e responsabilidade que já está integrada no ADN do setor relojoeiro suíço.
Objetivos e planeamento para o futuro
A visão da empresa em relação à reciclagem solar de aço não se limita à experimentação ou à pequena escala. Os seus planos visam uma produção que permita abastecer volumes significativos para o mercado interno.
Para 2028, eles garantiram que esperam que seu centro de reciclagem alcance uma produção anual de 1.000 toneladas de aço solar. Essa meta representa o salto definitivo para a consolidação desse modelo, com a possibilidade de expandir para a reciclagem de outros metais estratégicos e exportar a tecnologia para outros mercados.
Broye, diretor empresarial, destaca que a capacidade de tratar localmente os resíduos metálicos industriais constitui uma resposta direta à demanda por materiais limpos e rastreáveis por parte de clientes e fabricantes.
A empresa considera que a recuperação de metais terá um papel cada vez mais relevante na economia circular do futuro, por isso já está a trabalhar no ajuste das suas instalações para poder processar outros metais, além do aço.
Exposição de aço solar e localização das fundições
As primeiras barras de aço obtidas a partir deste processo inovador já têm um local onde podem ser vistas. O Museu Internacional da Relojoaria, localizado em La Chaux-de-Fonds, cidade emblemática do cantão suíço de Neuchâtel, é o cenário escolhido para apresentar o primeiro aço solar. É também nesta localidade que operam as duas primeiras fundições solares em atividade, tornando a região uma referência mundial na aplicação da tecnologia solar à reciclagem metalúrgica.
A escolha de La Chaux-de-Fonds responde tanto à sua história industrial como ao seu presente dinâmico, em que a inovação e o respeito pelo ambiente se entrelaçam. O museu, por sua vez, torna-se testemunha do avanço que representa o aço reciclado e fundido com energia solar, símbolo da nova abordagem ecológica da produção relojoeira suíça.
Comparação global: fábricas que reciclam aço e uso de energia solar
A nível internacional, existem cerca de 54 fundições especializadas na reciclagem de aço. No entanto, de acordo com o Swissinfo, apenas uma dessas fábricas — a de Panatere, na Suíça — utiliza exclusivamente energia solar como fonte de calor para fundir e reciclar metais. Este dado destaca a singularidade da aposta tecnológica suíça, que se antecipa assim aos padrões de sustentabilidade na metalurgia.
A diferenciação não reside simplesmente no uso de fontes renováveis, mas na integração completa da energia solar e da logística local para a recuperação e reutilização do metal. A Panatere coloca-se assim na vanguarda da transição para uma indústria verdadeiramente limpa, impulsionando o debate sobre a viabilidade da energia solar em processos industriais aeroespaciais, automotivos e relojoeiros em todo o mundo.